(nota: me dei ao direito de omitir toda e qualquer trema que possa aparecer em um nome finlandês)
No dia 17 de fevereiro, domingo, a Rede Globo fez uma matéria sobre a tradição na F-1 de países como Brasil e Finlândia (não assisti ao programa, as informações tirei do blog do Capelli). Entre esses dois países, a coincidência de cada um ter três campeões mundiais. Entrevistaram Heikki Kovalainen e esse deu a seguinte resposta:
"Interessantes essas coincidências, nunca havia percebido. E até me surpreende, o Brasil deve estar fazendo alguma coisa errada. Nós somos apenas 5 milhões, compare com o tamanho do seu país..."
E então segue a Vênus Platinada falando que, embora cada país tenha um igual número de campeões, o Brasil possui oito títulos (dois com Emerson, três com Senna e três com Piquet), enquanto a Finlândia só tem quatro (um com Keke Rosberg, dois com Mika Hakkinen e um com Kimi Raikkonen).
Comecei a ler os comentários do post referente ao programa e algo que me chamou bastante atenção - e me fez concordar - foi que, a certa altura, Capelli disse: "Pessoal, acho que estamos focando no ponto errado da discussão. A grande ferida exposta por Kovalainen não é o fato do Brasil ser maior e ter tantos campeões quanto a pequena Finlândia. O cerne da questão é a frase 'vocês devem estar fazendo alguma coisa errada'".
Em um esforço monumental, estiquei o braço e peguei o pesado livro de capa vermelha - minha bíblia quando o assunto é rally. Desde que a FIA criou a Driver's Cup, em 1977, a Finlândia faturou 14 títulos mundiais. CATORZE. Ou seja: em trinta anos, quase metade dos campeões mundiais veio do país escandinavo. O segundo colocado é a França, com cinco (uma de Didier Auriol; quatro de Sebastien Loeb). Quando se fala dos grandes ídolos do rally, finlandeses são citados a torto e a direito: Ari Vatanen, Juha Kankkunen, Marcus Gronholm, Henri Toivonen, Tommi Makkinen.
Decidi, então, que seria legal fazer uma comparação entre os automobilismos finlandês e brasileiro e tentar descobrir onde está o nosso erro. Tentarei ser imparcial, na medida do possível. A partir de agora, separo o texto entre monoposto e rally. Vem comigo!
1.monoposto
Procurei na Internet algumas informações sobre os campeonatos de Fórmula na Finlândia. Descobri a existência de dois no país: a Fórmula Ford e a Fórmula 3. Para esse ano, já está programada a estréia da Fórmula Renault finlandesa - a Finlândia já sediava etapas da Norte Europeu de Fórmula Renault. Essas três categorias fazem parte do Finish Championship Racing Series (as principais corridas de circuito são sempre disputadas no mesmo final de semana).
Porém, o que mais chama a atenção é o comunicado de lançamento da nova categoria. No segundo parágrafo, eles citam um programa de desenvolvimento de pilotos feito pela própria federação. Não achei mais nenhuma informação sobre isso no site ou na internet, mas ao que parece, pilotos finlandeses que competem em algumas categorias européias passaram por esse treinamento. Os oriundos desse programa mais conhecidos são Heikki Kovalainen, da McLaren, e Kimi Raikkonen, que em 2007 sagrou-se campeão mundial.
Diz Jani Backman, secretário geral da AKK Motorsport - a federação de lá - que "o propósito do lançamento da Fórmula Renault finlandesa é oferecer aos jovens pilotos que estão vindo do kart uma categoria de qualidade para crescerem em casa". E continua: "praticar, testar e competir é financeiramente mais econômico na Finlândia que fora daqui, e agora nós podemos providenciar equipamento igual àqueles usados no resto da Europa. Os pilotos podem começar a competir na FR com 16 anos em seu país de origem, e com 17 no exterior, de acordo com o regulamento internacional de licenças".
Atravessaremos o oceano para chegar direto a terras tupiniquins. A Fórmula Renault brasileira acabou em 2006. Dessa forma, restou partir para a Fórmula Sulamericana, que, como o próprio nome diz, engloba outros países. Pelo que pude apurar, o cancelamento da FR nacional deu-se por dois motivos: 1) A saída da PPD Sports, promotora do evento e; 2) A retirada de investimento no automobilismo nacional por parte da Renault. Ainda no ano passado, a CBA tentou criar uma categoria que fechasse esse buraco, mas o grid foi de apenas cinco carros.
Nesse ano, a federação brasileira lançou a Fórmula Brasil, que usará os mesmos equipamentos que eram utilizados na Fórmula Renault. Os participantes da categoria não podem ter vencido corridas em qualquer prova de monoposto internacional. A Fórmula Sulamericana, por sua vez, começa o ano sem promotor, o que pode dificultar as coisas.
Ou seja: a possibilidade do Brasil ter uma leva de pilotos que suceda Felipe Massa, Nelson Ângelo Piquet, Rubens Barrichelo, Lucas Di Grassi e Bruno Senna é quase zero. Enquanto tentamos lançar um campeonato monoposto nacional, a Finlândia estréia seu terceiro - sem contar que a federação local possui um programa de desenvolvimento de piloto.
E para quem segue aquele pensamento "mas nós somos de terceiro mundo e eles, de primeiro", Fábio Seixas recentemente publicou um post sobre Sara Sachez, curitibana, que foi disputar a F-Chevrolet, no Uruguai, que surgiu pela " necessidade da AUVO (Asociación Uruguaya de Volantes) de criar uma categoria promocional de monopostos, com custo acessível. Uma categoria que permitisse aos jovens uruguaios darem continuidade às suas carreiras após o término das etapas conquistadas no kart, sem que, para isso, fosse preciso se ausentar do país" (alguma relação com o que foi dito pelo finlandês Jani Backman?).
Ao que me consta, o Uruguai é um país menos desenvolvido que o Brasil.
2.rally
Se com os monopostos fiz apenas um comparativo entre Finlândia e Brasil, no rally consigo achar o problema com uma certa segurança. Como vejo a relação piloto x prova muito menor que a existente na outra categoria, separo esse tópico em mais duas partes: pilotos e provas. Também ressalto que toda vez que falo rally, me refiro ao rally de velocidade, classe em que se classifica o World Rally Championship.
2.1.pilotos
Como já falei lá em cima, a Finlândia tem quase 50% dos títulos mundiais. Comparar o rally nesse país e em qualquer outro do mundo é corvardia. Principalmente se estamos falando de lugares que não possuem nem meio título, como é o caso do Brasil.
Vou direto ao ponto: o motivo de não termos pilotos brasileiros correndo em mundiais é, em grande parte, o subdesenvolvimento. Pode ver que a maioria dos pilotos de fábrica vem de países desenvolvidos. Uma grande montadora não iria investir grana em piloto de uma país que poucos vão poder consumir aquele produto - nesse caso, o carro.
Não sei se para vocês parece lógico isso, mas não falo isso dá minha cabeça. Digo porque sei de fábricas que usaram exatamente esse argumento.
E quanto a correr em uma equipe privada?
Aí caímos na falta de investimento das empresas brasileiras - e isso vale para qualquer esporte que não seja futebol. Conseguir patrocínio é uma tarefa árdua e que muitas vezes não termina com um resultado bom. Já vi muitos pilotos fortes terem de parar por causa de falta de patrocínio. Não aparece na Globo? Já pode baixar a bola. E para melhorar, emissoras e publicações dão uma "maquiada" no nome da empresa antes de publicar a matéria. Propaganda de graça? Nem pensar!
Claro que não posso generalizar. Existem pilotos brasileiros que fizeram bonito lá fora, como Paulo Lemos e Ulysses Bertholdo, campeões sul-americanos. Ulysses chegou até a pontuar na categoria N do WRC da Argentina! E como esquecer da parceria de 20 anos entre Petrobras e a equipe de rally que vai pro Dakar? Também tivemos Reinaldo Varella e Alberto Fadigatti, campeões mundiais de Cross Country. E, mais atualmente, Paulo "Palmeirinha" Nobre, que corre o campeonato pela equipe X-Raid. Mas para o número de excelente pilotos que temos por aqui, são poucos os que conseguem partir para uma carreira lá fora. E mesmo assim, há limitações. A equipe Petrobras, por exemplo, só corre completa no Dakar e aqui no Brasil.
2.2.provas
O rally da Finlândia data dos anos 50, sendo uma das provas mais tradicionais do campeonato. Quando falamos do Brasil, a visão é um pouco diferente.
Tivemos apenas uma prova válida pelo WRC, em 1982, mas a incompetência dos dirigentes brasileiros daquela época nos fez perder a chance de sediar uma etapa do mundial. Fácil assim.
Perdemos, e hoje em dia é difícil de recuperar. No começo de 2007, chegaram até a noticiar na Europa que três países - Indoésia, Malásia e Brasil - estavam interessados em ter uma etapa. Mas o alto custo da candidatura - 100 mil euros - e o fato de a organização não abrir vaga para novos países até, pelo menos, 2010, fez com que desistissem. Além do mais, a América do Sul já possui uma prova no campeonato, em um país em que as existe um grande público para o esporte. Como diria Reinhard Klein, " é difícil criar um rally em uma região que o esporte a motor em estradas não faz parte da cultura".
Quando falamos do rally nacional, a coisa muda de figura. O Campeonato Brasileiro de Cross Country não anda bem das pernas, mas temos uma prova que tem reconhecimento internacional - o Rally dos Sertões. O Campeonato Brasileiro de Velocidade - CBR - está crescendo. Para esse ano, a categoria N3 finalmente sai do papel. Já a N2 terá duas subdivisões: Light - para inciantes - e uma "máster" - ainda não tenho certeza do nome. Ainda para essa categoria, Chevrolet e Fiat disponibilizam 10 e 12 carros, respectivamente, preparados para corrida.
Além disso, temos ainda a Copa Peugeot, uma categoria com custos baixos - a Peugeot que faz o transporte dos veículos - e carros iguais. Excelente caminho para quem quer começar!
Não podemos nos esquecer de quão bem organizadas estão as nossas provas hoje em dia. O Rally de Erechim - que considero a principal corrida do calendário e que faz parte do sul-americano - cresce a cada ano, e só quem foi sabe o show que é. Também temos o tradicional Rally da Graciosa e a etapa de Ouro Branco, considerada por muitos a segunda Erechim.
Claro que não vou falar que nosso rally é compatível ao da Finlândia. Mas parece que, nessa categoria, finalmente estamos trilhando o caminho certo.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
Sobre o Brasil e a Finlândia
Mais um pitaco da Amanda Roldan às 21:10
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