segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Um passeio no zoológico

Foi assim, sem muito intenção que desse certo, que sugeri a ele uma ida ao zoológico.

Ele não foi o grande amor da minha vida, e não posso dizer se seria caso tivéssemos continuado juntos. Eu era uma estudante de jornalismo com uma carreira promissora à frente, ele era um graduado em economia que não quis ser economista um único dia de sua vida, mas tinha veia literária. Certa vez ele desandou a escrever. Dizia que eu era a inspiração dele e escrevia, e eu sempre perguntava quando viria o próximo texto, poucas coisas são tão sedutoras quanto palavras bem escritas.

Mas sobre a ida ao zoológico: ele riu e aceitou o programa. Ainda mal tínhamos saído, fomos ver um filme no cinema certa vez e eu me desmanchei de chorar com a história triste, uma tragédia. Mas sugeri o tal programa e ele resolveu que sim, vamos ao zoológico. E fomos, ele talvez curioso com aquele convite um tanto absurdo, eu animada para o passeio.

Eu parava tempo demais para ver a lontra e ele achava graça. Pulava de lá para os suricatas e ele me acompanhava. Contei para ele quando eu achava que tinha ornitorrinco por ali e como eu fiquei decepcionada quando descobri que não era verdade. Sentamos na lanchonete e eu roubei uma parte de suas batatas. Rimos com as crianças que pulavam pela varanda e nos escondemos juntos na sombra do guarda-sol.  Deitamos em um banco em frente à jaula da onça e nos questionamos se ela estaria chateada por não ter tanta atenção quanto a aranha que formava teia bem no meio das grades, porque a aranha era do tamanho da minha mão e não tinha como não ser notada.

É provável que em algum momento daquele dia eu tenha pensado que viveria o resto da vida ao lado dele. Assim mesmo, sem saber se ia amá-lo algum dia. Pode ter sido na saída, quando eu me debruçava novamente na grande da jaula da lontra e ele ria. Pode ser enquanto eu estava deitada naquele banco ao lado dele, olhando o céu enquanto segurava a mão dele e sentia o vento fresco da tarde no meu rosto.

Ou talvez não tenha nada a ver com o zoológico e fosse apenas a vaidade de saber que eu seria pro resto da vida a inspiração das palavras que ele escrevia.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Apenas uma prova

"Estão entregando o caderno de questões. Ok. Agora é hora de concentração. Concentração. Vou começar por história, geografia e termino por matemática. Espero que a prova de matemática esteja fácil, espero que a prova de matemática esteja fácil, espero que... HAHAHAHAHAHAHA MAS NUNCA EU VOU CONSEGUIR FAZER ESSAS QUESTÕES. Ok, se concentre. História e geografia estão traquilas. Vamos começar. Imagem, Portugal, Brasil. Certo. Em que ano a corte portuguesa veio pra cá? Nossa, Portugal. Eu podia passar o ano novo em Portugal. Não deve estar tão frio assim lá nessa época, né? Acho que vou passar o ano novo em um lugar mais quente. Será que a família me libera nesse período? Preciso ver isso. OK, FOCO. Prova, estamos fazendo uma prova. Vamos lá. Confederação do Equador. E eu lá me lembro que porra foi isso? Acho que vou desenhar uma casinha aqui enquanto penso. Poxa, eu podia ir pra Londres e Escócia de novo, né? Skyfall me deixou com vontade de voltar pra Escócia. Eu vou precisar de passagem barata. Viajar de ônibus, não de trem. Que droga, adoro viajar de trem. Mas vai ter que ser de ônibus. hostel. Eu podia ver esse negócio de couchsurfing. Minha mãe vai surtar. Será que menor de idade pode usar isso também? Eu podia indicar pra minha irmã. Que mais? Ah, sim. Custo com alimentação, com entradas das atrações e... AMANDA, E A PROVA? VOCÊ TÁ ESCREVENDO TUDO ISSO NA PROVA? Vamos, lá se concentra. Escreve as respostas porque você ainda precisa decidir o que vai fazer com a matemática. Será que a menina aqui do lado usou o compasso que ela trouxe? Acho que eu nem sei mais usar um compasso para resolver uma questão de geometria. RÁ RÁ! Eu nem sei RESOLVER uma questão de geometria. Deixa eu comer uma batata pra ajudar na concentração. Vou beber bastante água também para ir ao banheiro daqui a pouco. Não consigo mais ficar olhando pra essa prova."

domingo, 4 de janeiro de 2015

Resoluções

As idades com apenas um dígito não são tão frescas à memória. Ainda na primeira infância, o canil da avó no Rio. Os cachorros. A praia logo ali na frente. Os pés de cajus. Você devia adorar caju, porque anos mais tarde experimenta novamente e acha apenas meh. As lembranças começam a ficar um pouco mais claras a medida que o tempo passa. A escola. A professora que te alfabetizou. Ela foi pro Chile logo depois, e diversas vezes você pensou em digitar "Sônia professora Chile" no Google pra ver se a encontrava. Outro dia você cruzou com a Madalena, que ficava com você à tarde na escola. Você contou sobre o Gui, que você conheceu ainda na pré-escola e até hoje é seu grande amigo. Você se lembra do Parque da Mônica. Da mudança de escola. Da professora que gostaria de poder bater nos alunos com régua. Das aulas de religião. Mais uma escola. Os novos amigos, quem diria que você os levaria para o resto da vida? Alguns são bons amigos, outros você encontra uma vez por ano. Mas mesmo assim, são mais presentes do que todos os colegas de faculdade. O Gui também mudou para esse mesmo colégio, e vocês eram ditos como namoradinhos, só falta dar beijinho. Não teve beijinho e muitos não se conformam com isso até hoje. Superem.

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De repente você está em 2002. Nova escola. Você sente saudade dos amigos antigos, tem certeza que nunca mais os encontrará. Não foi uma mudança fácil. Mas logo você está jogando futebol com as meninas e tem certeza que elas ficarão na sua vida pra sempre.

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Você dá o primeiro beijo no Dia dos Namorados daquele ano tem certeza de que não é assim que a coisa funciona. Provavelmente você promete que nunca mais vai beijar nenhum outro menino.

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No final de 2003 você começa a namorar o amor da sua vida. Vocês começam em uma excursão da escola e na viagem de formatura a coisa fica séria. Vocês se encontram todo dia na escola, trocam juras de amor e aproveitam o término das aulas para dar uns amassos na escada de incêndio. O relacionamento dura três meses.

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Primeiro ano do ensino médio. Iupi,

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Seu ídolo morre um dia depois do seu aniversário de 15 anos. Você passa o dia atônita e só vai se acabar de chorar no dia seguinte, no meio de uma aula de física - pode ser que seja de matemática. Você chora muito e descore que esse negócio de correr de moto, seu sonho de infância, pode ser perigoso. Três meses depois outro grande piloto morre e você enterra de vez essa fantasia. Agora sua vida só tem espaço para ser jornalista.

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Você já escolheu sua profissão e  faculdade que vai cursar. Vai com desprezo para as aulas de Orientação Vocacional. Quer se dedicar 100% a esse sonho. Hoje em dia você não consideraria abrir mão dos amigos para isso. Mas você tinha 16 anos e expectativas muito altas que precisam ser atendidas.

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Aos 16 anos você também tem uma inflamação horrível no pé e vai parar no hospital. Ali você descobre que o pavor de agulha é mais uma fobia do que uma frescura de criança. Você vai fazer tratamento, o primeiro de muitos para tentar controlar isso. Descobre que provavelmente nunca estará curada, mas o pavor será menor. Em um futuro próximo, você estará sentada no sofá de casa e conseguirá falar com calma com a enfermeira. O processo será mais tranquilo e você vai saber pedir para ela esperar, porque você precisa respirar um pouco. Esse será um dos dias mais felizes da sua vida.

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De repente você está se formando e chorando com as amigas e prometendo que as levará pelo resto da vida. Na formatura passada isso não deu muito certo e você nem fala mais com sua BFF da época, mas agora é diferente. Você tem sorte. Oito anos depois, uma delas se casará e você estará lá para chorar com ela. A outra também estará por perto. Vocês dividirão almoços enquanto trabalham uma ao lado da outra e a família dela estará sempre de braços abertos para você.

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Você não passa no vestibular daquela faculdade e vai para o cursinho. Volte uma casa.

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O primeiro ano de faculdade. Você espera por esse ano há muito tempo. E ele realmente é incrível.. Nem tanto pela faculdade, mas a profissão jornalista te faz conhecer pessoas maravilhosas. É por elas que você, nos anos seguintes, tem certeza de que não deveria ter ido cursar letras. Pois é, você passou em letras em outra faculdade, e no futuro você se questionará várias vezes se não deveria ter feito esse curso. Mas você não tinha a bagagem que teria mais pra frente, e talvez nem tivesse se tudo não tivesse acontecido do jeito que aconteceu. Você aprende muito no seu primeiro estágio. Seus chefes, ah, que chefes maravilhosos! Eles te ajudam a crescer pessoal e profissionalmente. No final do ano, você tenta realizar seu sonho profissional e chega bem perto. A ironia é que alguns anos depois essa história cruzará novamente a sua vida e você vai desejar ter prestado mais atenção nas coisas que aconteceram naquela época (mas calma, está tudo bem!)

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Abril de 2009. Talvez aquele não seja exatamente o seu sonho de vida. Ou talvez você esteja em um inferno astral sem data para terminar.

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Um amigo te chama para cuidar de um projeto diferente. Você não tem certeza se aquilo é jornalismo, mas gota desse novo caminho profissional. Você ri no dia em que ficam confusos porque você se credencial em uma prova com uma conta de Twitter. Mas é sério. Tudo é sério. Você não sabe que caminho aquilo vai seguir, mas curte cada segundo. Infelizmente, tudo aquilo acaba um ano depois, tempo suficiente para te deixar com um grande ponto de interrogação na cabeça: e agora?

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Algumas pessoas te ajudam a enfrentar o final de 2011. Seu orientador do TCC, o melhor professor que você já teve na vida, te aprova com mérito. Não por causa do TCC. Sua dedicação a ele foi mínima, mas aquele cara decide que você vale a pena. E também teve aquele guri que te aguenta todos os dias. Que te mandava mensagens carinhosas no meio da noite e que, assim como você, vivia uma espécie de inferno astral interminável. Você leva tempo para se recuperar da ideia de perdê-lo, mas depois descobre que não tem nada que o tempo não cure.

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Você parte para Londres empregada. Volta de Dublin com trabalho. Cheers!

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Poucos anos foram tão difíceis quanto 2014. Você descobre que seu sonho profissional não é mais aquele e fica meio em dúvida sobre que caminho seguir. Você presta vestibular novamente. Você decide fazer intercâmbio. Você decide que o ano vem tudo vai ser diferente.

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Você está desempregada. De coração partido. Acaba de chegar da segunda fase da Fuvest e ainda tem mais dois dias de prova pela frente. Se pergunta por que decidiu fazer isso. Mas você conheceu pessoas incríveis no ano passado e elas tornam sua vida mais colorida. 2014 foi um ano de aprendizado. Você aprendeu que os sonhos mudam. Aprendeu a falar sobre os seus sentimentos. Aprendeu a se abrir. Entre outras coisas, também aprendeu que Pulp Fiction provavelmente é o seu novo filme preferido. E que Antes do Pôr-do-sol enche seu coração de alegria.Apendeu que poucas coisas na sua vida te dão mais prazer do que viajar. E aprendeu um pouco mais sobre essas poucas coisas, também (sobre a carinha). Aprendeu a ser deixada para trás - e reaprendeu que isso só reforça ainda mais os laços.

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Dois mil e quinze já tem dois  na lista de resoluções, e hoje ainda é dia quatro de janeiro. Bring it on!