terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Clarice

Eu tinha uma professora que sofria de verdadeiro amor pelos livros. Foi com ela que aprendi (mais um pouco) a também amá-los. Eu já os amava antes dela, mas não tão assumidamente.

Eu não tinha certeza se, assim como ela, também sofria de amor.

Pois hoje, quando já estava no metrô, descobri que também sofro de tal mal tão bom. Quando abri minha bolsa, descobri que minha Clarice não estava ali. Onde estaria? Na certa havia ficado na bilheteria.

Desci correndo na estação seguinte e tomei o trem na direção contrária. Meu coração já doía a dor do abandono. Sim, eu havia abandonado a minha Clarice, e nada poderia justificar este ato.

Pior que isso foi descobrir que, além de tê-la abandonado, alguma outra pessoa já se apossara dela. Que dor, meu Deus! Era como se meu coração tivesse despedaçado quando o supervisor do metrô fizera não com a cabeça.

Passou-me rapidamente pela cabeça que alguma outra pessoa, talvez alguém que não tivesse recursos para comprar livros tão frequentemente, se interessara pelo título. O pensamento foi embora tão rapidamente quanto surgiu: não poderia perdoar alguém que se apossara de um livro meu.

Deixe-me explicar uma coisa: tenho uma relação com meus livros que ultrapassa qualquer entendimento. Amo-os demais, tantos os lidos quanto os que ainda estão esperando o momento de deleite, quando serão devorados por olhos e mãos ávidos por suas palavras.

Assim que nos mudamos para o mato, coloquei-os _com muita dor, é verdade_ no chalé ao lado de casa. Ali deveria funcionar como uma espécie de biblioteca.

Certa vez descobri que o lugar estava mofando meus livros. Na mesma hora peguei algumas caixas e coloquei todos ali dentro. Depois, deitei-os no sol para que secassem e, em seguida, coloquei-os novamente nas caixas e mudei-os para dentro de casa. Foi um caos arranjar lugar para tantas letras.

Arranjaram na estante já cheia de livros. Mas meu ciúme é tanto que sonho em uma estante somente para eles, os meus livros e nada mais.

Então voltei ao metrô já com os olhos e lágrimas pelo livro perdido. Algumas estações depois, porém, lembrei-me que antes eu havia passado no banco.

Novamente dei meia volta e tomei a direção contrária. Corri até a agência como se corresse pela própria vida, e lá encontrei-a: Clarice me esperava no mesmo lugar em que eu havia deixado.

Saí agarrada a ela. Beijava-a, abraçava-a de encontro ao peito e queria dividir com todos a alegria que voltava a me consumir. Porém, ninguém sabia como eu me sentia, e seria inútil gritar apenas que Clarice novamente me pertencia. Gritei apenas para mim mesma: Clarice novamente me pertence!

Não creio, na verdade, que Clarice pertença a alguém. Mas eu pertenço a ela.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito lindo!!!!
Me emocionou!!!!!
Mamãe